Democracia Socialista
Frente à grave crise nacional e à iminência de uma grande catástrofe social, é fundamental defender a vida e construir um caminho para a democracia e por um novo modelo econômico e social.
O principal problema a ser resolvido na crise nacional que explodiu com o coronavírus é a Presidência da República e o governo em volta dela. Passou um ano desmantelando o SUS e desorganizando a economia, continuando a política neoliberal radical de Temer. Agora a principal ação do governo e do presidente em especial é atacar as medidas sanitárias universalmente adotadas e oferecer ao povo a escolha entre a morte pela epidemia (dos que para sobreviverem sem apoio de políticas públicas se expõem ao contágio) ou a fome e a ruína pelo desemprego e falta de renda (que serão negados àqueles em isolamento social sem proteção pública). Desacatando abertamente as normas básicas de proteção sanitária e incitando à sua desobediência, Bolsonaro coloca toda a nação sob o risco de morte, em clara situação de genocídio. De outro lado, um governo neoliberal de extrema-direita não vai executar com empenho as poucas medidas já aprovadas de proteção econômica do emprego, dos trabalhadores informais e dos pequenos empreendimentos.
Bolsonaro passa agora à polarização contra todos, apostando na ousadia das suas investidas, na mobilização da sua força social própria e, de outro lado, na impotência e paralisia dos demais atores institucionais. Aproveita-se da existência de um campo neoliberal comum que atua para reduzir os danos colaterais de seus atos, mas não questiona o seu mandato. O Congresso Nacional, por exemplo, mesmo depois de atacado duramente pelo presidente não tomou a decisão de dar início ao processo de impedimento.
Esse quadro tem agora uma alteração decisiva. Os partidos de esquerda e de centro-esquerda finalmente tomaram a iniciativa de colocar Bolsonaro como inimigo da nação e sua saída como condição para o enfrentamento da crise. A primeira intervenção comum nesse sentido, dos candidatos a presidente de 2018, pôs a pressão na renúncia do presidente. A segunda intervenção, assinada pelos partidos, foi mais ativa e entrou com notícia-crime no STF visando seu afastamento do cargo. A discussão sobre a iniciativa do impeachment também faz parte das discussões sobre o que fazer no imediato.
Uma das principais ações de oposição com alternativa partiu dos governadores, com os do PT à frente. Coloca-se em outra direção e nos seus espaços territoriais busca estabelecer a regra sanitária universal de proteção. O Consórcio do Nordeste, com PT, PCdoB e PSB numa frente de esquerda, avança na construção de políticas públicas comuns e de uma referência de governo regional. Seu peso político é muito importante, mas sua incidência é limitada pela ausência de instrumentos de política econômica e pelos limites da própria ação regional.
Assim, o que é fundamental é a ação face à principal questão democrática: o exercício do poder nacional. Quando esse poder é exercido autocraticamente, é dever de todos os que defendem a democracia lutar para impedi-lo e substitui-lo através da soberania popular.
A extrema-direita deu mais um passo para suprimir a democracia e tem de ser barrada e vencida agora. E a via para isso é a política de enfrentamento a um só tempo das dimensões sanitária, econômica e principalmente política da crise. Isso implica na construção do fim imediato do governo da extrema-direita e abrir a perspectiva de colocar nas mãos do povo a decisão sobre os rumos do país.
A politização da crise é evidente e cada vez mais compreendida pela consciência popular. Cabe às forças de esquerda, com o PT em destaque, assumirem seu papel dirigente na luta pela democracia.
A politização da crise é evidente e cada vez mais compreendida pela consciência popular. Cabe às forças de esquerda, com o PT em destaque, assumirem seu papel dirigente na luta pela democracia.
Crise de civilização e necessidade de por fim ao neoliberalismo
A pandemia irrompeu em cenário internacional de profunda descoordenação política e de crescimento econômico sem dinamismo e desigual entre as regiões do mundo. A descoordenação internacional não é novidade desde a globalização acelerada nos anos 80 do século XX, mas foi exacerbada pelo governo Trump.
Além de implicar em nova recessão no curto prazo, a pandemia abriu enorme incerteza sobre qual recuperação (com quais características, quando e como) poderá vir. A maior ameaça é um futuro imediato com muito mais desigualdade (desemprego e miséria estruturais, explosão das dívidas públicas empurrada para a maioria pagar, neoliberalismo de exceção) e, portanto, cada vez menos democracia, numa repetição piorada dos desdobramentos das crises de 2008 e 2011.
O futuro depende dos combates desse momento e da maior clareza programática possível sobre a crise, suas possibilidades de superação e as ameaças de regressão. A luta para salvar vidas é indissociável das lutas pelo emprego, renda e democracia. É indissociável da luta por um outro modo de organização da economia, do poder e da relação entre países. A pandemia entrelaçada com a crise econômica e o imperialismo leva novamente a humanidade às bordas de uma crise sistêmica.
A pandemia do COVID-19 ocorre em um momento da economia mundial no qual já existia relevantes obstáculos para um crescimento econômico sustentável. A crise de 2008 permitiu a visualização da ponta do iceberg de contradições não solucionadas na atual fase do capitalismo. Essas contradições decorrem da tendência à baixa da taxa de lucro, da insuficiência estrutural da demanda efetiva e de incapacidade de funcionar em limites ambientalmente sustentáveis. O descompasso elevado do lado real da economia com o mundo da especulação financeira faz com que a tendência de crise do capitalismo seja artificialmente postergado por uma valorização financeira fictícia.
Ao contrário de outras crises econômicas, esta tem uma característica que torna sua superação vinculada à solução da crise sanitária. Ou seja, a retomada será mais difícil em função de fatos que não são estritamente econômicos, portanto que dependem de variáveis que talvez só venham a ser controladas num espaço longo de tempo.
O impacto econômico da pandemia é de uma proporção que dificilmente possa ser superestimada. Na verdade provavelmente vem acontecendo o contrário, uma subestimação generalizada de seus efeitos.
A conseqüência provável dela é uma recessão profunda, semelhante ou pior do que a de 1929, com desestruturações das cadeias produtivas (que hoje são bem mais internacionalizadas), enorme insuficiência de demanda e aumento ainda maior do desemprego e da desregulamentação com o consequente aumento da miséria a níveis dramáticos.
A única forma de contrarrestar esses efeitos é a mudança qualitativa radical da atuação e da própria natureza do Estado. Este terá de providenciar demanda e impedir a miséria e também Reorganizar a Produção. A intervenção estatal será condição para qualquer retomada.
No curto prazo até os neoliberais mais empedernidos se aproximam das propostas keynesianas, mas nem por isso deixam de estar ao mesmo tempo preparando um posicionamento estratégico. É aparente a loucura que Bolsonaro (e mesmo Trump) mostram pelo desprezo à vida. Na verdade estão tentando jogar as responsabilidades de seus governos naqueles que “causaram” o problema econômico, ou seja, os defensores do isolamento.
Ao criar a falsa dicotomia Vida x Economia o que querem é tirar a responsabilidade de seus próprios governos e jogá-las sobre os que defendem o isolamento. Neste momento, cabe ao Estado providenciar a Economia, com ações de renda e emprego. Criar a ilusão de que, se não houvesse o isolamento, a renda e o emprego iriam reaparecer, é ilusório e profundamente desonesto. Inclusive porque ficou demonstrado na pandemia da Gripe Espanhola que as cidades que fizeram isolamento social recuperaram a atividade econômica mais rapidamente e melhor do que as que não o fizerem. Mas para que possamos impedir essa falcatrua de convencer as pessoas desesperadas pela falta de renda devemos imediatamente fazer propostas e cobrar com força as responsabilidades do Estado, nos três níveis de governo. E, simultaneamente, lutar pela máxima democracia.
Devemos, portanto, realizar a disputa política e ideológica necessária com a energia e profundidade necessárias, preparando o médio e longo prazo dessa disputa com propostas imediatas que dialoguem com o sofrimento das pessoas, que são atingidas pela miséria e o desemprego que o modelo neoliberal criou e que agora explodem com força inédita devido a crise sanitária do COVID-19.
Vida, Renda, Emprego e Democracia
Primeiramente, a conquista da manutenção da Vida deve ser procurada com o isolamento social mas também com investimentos urgentes e permanentes em saúde. Produzir toda a estrutura para que haja condições e profissionais de saúde em quantidade mínima recuperando em dias a tragédia dos anos de desmonte neoliberal é tarefa possível e necessária. A própria atividade econômica deve ser redirecionada para isso, contratando-se todos os profissionais possíveis, inclusive os médicos cubanos que o governo Bolsonaro mandou embora.
O direito à vida cobra uma verdadeira refundação do SUS, de sua legitimidade pública, da superação de seu histórico subfinanciamento, de sua construção pública democrática e universal, superando o viés privatista da medicina voltada para o lucro. Será preciso retomar com vigor o programa inscrito na constituição de 1988 de um sistema de saúde único, de qualidade e universal como um direito fundamental do povo brasileiro.
A Renda é condição de vida nesse momento, pois o isolamento exige que a Renda seja garantida pelo Estado, já que esse mesmo Estado desregulamentou e precarizou o trabalho e porque há óbvios limites para a economia providenciar a renda necessária para as pessoas. Renda mínima, estratégias estatais de abastecimento ( e apoio às estratégias solidárias) para as populações mais pobres deveriam ser o centro da atuação Federal. Mas o que vemos é uma paralisia total, o que leva a conclusão que Bolsonaro quer a miséria e o desespero, para justificar sua atuação irresponsável.
O Emprego foi duramente atacado pala estratégia neoliberal e este desmonte será aumentado e tornado avassalador pela irresponsabilidade da elite empresarial brasileira. As demissões em massa só serão evitadas ou amortecidas por uma vigorosa atuação estatal. O poder público precisa proibir demissões nesse momento, amparando as empresas, sob a condição de não demissão e sob vigilância dos sindicatos, para tornar isso efetivo. Esta medida, assim como os dois itens anteriores, terá custos fiscais elevados.
O Estado terá que suportar isso tudo e pagar essa conta, o que é perfeitamente possível uma vez que a criação de demanda nesse momento não apenas não é inflacionária como ajudará em muito a atividade econômica. O Estado se endividar e aumentar a liquidez da economia é a política correta e imprescindível, como foi para a saída da crise de 1929.
A indecência da exploração rentista dos últimos anos (paga pelo Tesouro) coloca como um dever ético e uma politica de redução de desigualdade a cobrança do imposto sobre grandes fortunas, os lucros e outras formas de cobrar da elite, que expropriou riqueza do Estado e da sociedade, que de alguma forma devolvam os patrimônios abocanhados.
Além de crise sanitária, estamos face a uma crise do sistema econômico neoliberal. Ela evidencia o fracasso de suas políticas de redução do Estado, das privatizações, da precarização do trabalho e dos direitos sociais.
E, além de evidenciar o fracasso do neoliberalismo, coloca-se a conquista da Democracia em seu sentido mais substantivo, com um novo modelo econômico, social e político nas Américas e no mundo, com a democracia direta como fundamento da soberania.
Ações emergenciais efetivas para garantir a vida das pessoas serão possíveis somente com o fim do paradigma neoliberal e a intervenção estatal, baseadas em princípios democráticos.
A opção democrática é a única forma de construir o caminho para superar a crise a médio e a longo prazo, a nível nacional e internacional. As medidas de combate ao vírus não podem se confundir com posturas ditatoriais que se aproveitam da situação para aprofundar o autoritarismo, a exclusão e o ataque a países que são considerados inimigos pelos EUA. Defendemos o fim imediato dos embargos e sanções econômicas impostas a Cuba e Venezuela para garantir o auxílio à população destes países bem como a contribuição fundamental de Cuba ao combate à crise sanitária.
Emergências
A classe trabalhadora é o centro da resposta à pandemia. Tanto nas atividades essenciais como no sustento das famílias e garantias de isolamentos sociais salubres e dignos. Portanto, faz-se imperativo garantir:
– amplo diálogo social, tripartite e bipartite, a fim de garantir que a definição e estabelecimento de medidas no âmbito da pandemia sejam tomadas com a participação de sindicatos e organizações sociais;
– A negociação coletiva como principal ferramenta para garantir o diálogo. É essencial garantir a ultra-atividade (manutenção dos direitos trabalhistas firmados) na negociação coletiva por 180 dias ou até que a crise seja superada;
– Garantia de estabilidade de emprego e salário para os trabalhadores ou ao menos mecanismo direto de transferência de renda;
– Garantia que as opções de teletrabalho utilizadas para garantir o isolamento e não precarizem as relações de trabalho aumentando a exploração de jornada e reduzindo renda;
– Ampliar a proteção social e segurança no trabalho, aos trabalhadores que desempenham atividades essenciais;
– Dar garantias de proteção aos que se encontram ou entrarem em licença (médica, maternidade, férias…)
– Proteção às mulheres vítimas da violência doméstica, que se agrava neste período do confinamento por quarentena
– Fortalecimento do SUS.
– Expressamos a necessidade de colocar no centro da resposta do estado as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, como as que vivem na rua e em extrema pobreza, os trabalhadores em situação de informalidade, as trabalhadoras domésticas, bem como os trabalhadores da saúde, alimentação, limpeza urbana e outros setores que estão na linha de frente da luta contra o vírus.
A alternativa de esquerda na crise brasileira
A alternativa de esquerda pode ser assim compreendida: construir maioria ativa em torno da saída do presidente por via legislativa ou jurídica, intervir com um programa de proteção social e de reorganização da economia em oposição ao neoliberalismo e resgatar a soberania popular frente à crise do governo da extrema-direita. Ela exige ousadia e radicalidade democrática.
Por isso mesmo, a frente de esquerda ,com a participação decisiva do PT, é fundamental e necessária para a solução democrática da crise nacional: só ela pode construir a resposta imediata e histórica à ordem burguesa dependente e regressiva.
A frente de esquerda deve buscar alianças mais amplas para enfrentar a extrema-direita e a barbárie que traz consigo. E alianças mais amplas podem ser frutíferas desde que não se substitua a soberania popular por conchavos de cúpula e nem se abandone o programa de superação radical do neoliberalismo por pactos de conciliação de classe.
O fim democrático e imediato do governo Bolsonaro é, portanto, tarefa imprescindível para a existência de um mínimo de democracia e da própria característica de civilização no Brasil. Para isso devemos mobilizar a sociedade através de todas as formas viáveis nesse momento, como as manifestações nas janelas, as iniciativas virtuais e a participação ativa no debate público , com a articulação ativa do movimento sindical e demais movimentos populares e da mais ampla participação da sociedade civil, assim como a mais forte articulação partidária possível, a começar por uma definição formal do PT, para tornar realidade o IMPEACHMENT JÁ!